Pesquisa mostra efeitos negativos do contrabando nas fronteiras

Entre eles, estão violência, evasão fiscal e acesso precário a serviços básicos. Taxa de assassinatos chega a ser maior que o dobro da média nacional

O contrabando nas fronteiras é um problema antigo, conhecido, que se renova sem que as autoridades brasileiras consigam controlar. Um estudo recente do Instituto de Desenvolvimento Econômico e Social de Fronteiras (Idesf) evidencia os rastros de violência, evasão fiscal e baixa qualidade de vida deixados pela atividade ilegal. Nas cidades fronteiriças mais afetadas pela prática criminosa, os índices de homicídio representam mais que o dobro da média nacional.

Situada na fronteira com o Paraguai, Coronel Sapucaia, Mato Grosso do Sul, é uma das principais rotas de contrabando. A taxa de homicídios a cada 100 mil habitantes (95,84) é mais que o triplo da média nacional (29,5). Quatro das seis cidades mais afetadas pela prática criminosa ficam no estado. A segunda mais violenta é Guaíra, no Paraná, com uma média de 68,34 homicídios.

“As cidades fronteiriças são duramente afetadas. Junto com o contrabando vem a violência, o crime organizado, embate entre facções. E isso repercute diretamente na segurança pública, não só na fronteira, mas em todo o país”, afirma Edson Vismona, diretor do Fórum Nacional Contra a Pirataria (FNCP). “O Rio de Janeiro é o exemplo flagrante. Está tudo conectado. As ações policiais precisam ser integradas porque não é um fenômeno isolado. As armas, drogas e munições circulam no país inteiro. O volume de recursos do contrabando financia as organizações criminosas”, avalia Vismona.

De janeiro a setembro deste ano, a fiscalização da área de comércio exterior da Secretaria da Receita Federal apreendeu R$ 1,7 bilhão em mercadorias e veículos ilegais. O valor recorde de apreensão de produtos ilegais é 15% maior do que o registrado no mesmo período do ano passado. Além das fronteiras terrestres, a mercadoria entra no país por portos e aeroportos. “O trabalho de fiscalização precisa ser feito constantemente. Não pode haver contingenciamento de recursos destinados à segurança pública. Isso representa a paralisação das ações do Estado e o avanço do crime. É preciso apoio às fronteiras e ação integrada entre as forças com foco em grandes depósitos”, analisa o diretor do FNCP.

O combate é insatisfatório e sofre constantes baques por decisões equivocadas. Algumas políticas públicas se mostram um verdadeiro fracasso, como é o caso do aumento de impostos na venda de cigarros. Em 2011, a taxa sobre o produto aumentou. O que era para ser um incentivo ao brasileiro para fumar menos transformou-se em estímulo à compra de cigarros mais baratos contrabandeados do Paraguai. Com isso, além da evasão de impostos, a saúde do cidadão fica mais prejudicada ainda, ao consumir produtos de origem duvidosa. O cigarro representa hoje mais da metade (67,44%) do contrabando que entra pelas fronteiras — um prejuízo de R$ 6,4 bilhões entre perdas da indústria e a não tributação. Destes, R$ 4,5 bilhões correspondem aos tributos que o governo deixa de arrecadar, de acordo com o Idesf.

Reflexo

Em movimento inverso, o setor de informática foi beneficiado pela redução dos impostos. Com preços baixos, os computadores legais ganharam na concorrência com os contrabandeados. O número de apreensões passou de 10 milhões de unidades para 3 milhões, entre 2005 e 2016. A produção nacional saltou de 3 milhões para 13 milhões. O estudo sugere mudanças na política tributária como caminho na luta contra o contrabando.

A pesquisa revela ainda a precariedade de serviços básicos nas regiões de contrabando. O desemprego e o ingresso no mercado informal afetam a qualidade de vida da população. Mundo Novo e Paranhos, em Mato Grosso do Sul, possuem os maiores índices de evasão escolar no ensino fundamental, 4,5 e 6,4, respectivamente. “No início do processo de vida, a inserção na escola, as taxas de evasão e reprovação são maiores que a média nacional. O que fazemos nos passos anteriores à questão da segurança para resolver o problema? Nada. As pessoas trabalham massivamente na informalidade. Os municípios não geram emprego e renda”, explica Luciano Barros, presidente do Idesf e responsável pela pesquisa.

A economia local também é afetada. A média do PIB per capita desses municípios ficou abaixo de R$ 20 mil em 2013, enquanto o PIB per capita médio do Brasil ficou acima de R$ 26 mil. “Todos os municípios têm uma dependência financeira do governo federal e estadual, eles não geram renda própria, aí fica um jogo de empurra. É uma situação terrível. Os municípios deveriam enfrentar o problema de forma independente, mas não têm essa autonomia”, analisa Barros.

Fonte: Correio Braziliense