Biografias Não Autorizadas de Pessoas Públicas

Autora:  Cecília Araripe Visconti

Resumo

Português:

O presente artigo visa a contemplar discussão acerca das biografias não autorizadas de pessoas públicas no ordenamento brasileiro, tema extremamente debatido recentemente, principalmente após decisão emanada pelo Supremo Tribunal Federal, no dia 10 de junho de 2015, à Ação Direita de Inconstitucionalidade – ADI proposta pela Associação Nacional dos Editores de Livro, que julgou procedente o pedido formulado para a declaração de inconstitucionalidade parcial, sem redução de texto, dos artigos 20 e 21 do Código Civil, declarando inexigível a autorização prévia para a publicação de biografias.

O estudo contará com a consideração acerca dos limites dos direitos da personalidade e dos direitos da liberdade de expressão e da coletividade dentro da necessidade de autorização para as biografias de pessoas públicas.

Para isso, será necessária avaliação prévia dos princípios fundamentais voltados à liberdade de expressão, de informação e pensamento, contrapostos aos princípios individuais da imagem, honra e intimidade. Se possível a harmonização desses princípios, qual seria a correta abordagem da legislação brasileira a fim de regular o exercício das biografias não autorizadas?

Diante de todo exposto, será definido em que dado momento a vida da pessoa pública sai do âmbito íntimo e passa a ser direito de informação, permitindo, consequentemente, sua exposição em obras biográficas.

Inglês:

This article aims to encompass discussion of unauthorized biographies of public figures in the Brazilian legal system, an issue that has been hotly debated, particularly after the decision issued by the Supreme Court, on June 10, 2015, on the Direct Unconstitutionality Action – ADIN proposed by the National Association of the Book Publishers, which upheld the request for the partial unconstitutionality without altering the text of Articles 20 and 21 of the Civil Code, declaring unenforceable the need of prior authorization for publishing biographies.

The study will include the consideration of the limits of the personal rights and the rights of freedom of expression and of the community in the need for authorization for biographies of public figures.

For this, it will be required prior assessment of the fundamental principles of freedom of expression, information and thought, as opposed to individual principles of image, honor and intimacy. If harmonization of these principles is possible, which would be then the correct approach to Brazilian law to regulate the exercise of unauthorized biographies?

Given all the above, it will be defined when the life of the public person leaves the intimate scope and becomes a right to information, allowing, hence, their exposure in biographical works.

 Palavras-Chave:

biografias – liberdade de expressão – direitos da personalidade.

Keywords:

biographies – freedom of expression – personality rights.

  1. Introdução

A biografia é o gênero literário em que o autor narra a história da vida, com seus principais acontecimentos, de uma ou mais pessoas. De modo geral, os episódios biográficos fazem referência à pessoa pública, cuja história, em dado momento, tenha gerado um impacto positivo ou negativo na coletividade.

A biografia, cujo autor requereu autorização do biografado para a abordagem de sua vida na obra, é denominada de biografia autorizada. Já no caso em que não há autorização prévia, está-se diante de uma biografia não autorizada.

Alvo de um Projeto de Lei e de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade, as biografias não autorizadas promovem polêmicas nos meios social e jurídico, dividindo os juristas e leigos em três grupos: os que são a favor das biografias não autorizadas, tendo por base os direitos à liberdade de expressão, de informação e pensamento; os que não são a favor das biografias não autorizadas, fundamentando-se nos direitos individuais à imagem, honra e intimidade e nos direitos da personalidade; e os que creem que os direitos supracitados não são excludentes, podendo existir uma harmonização entre a liberdade de expressão em uma biografia não autorizada e o direito à intimidade da pessoa pública de se resguardar de supostas difamações.

O presente trabalho contempla a problematização das biografias não autorizadas de pessoas públicas no ordenamento brasileiro, à luz dos princípios fundamentais da Constituição Federal; das normas infraconstitucionais e decisões judiciais.

  1. Dos Direitos à Liberdade de Expressão

A liberdade de expressão é direito fundamental, princípio basilar para qualquer democracia, consistindo na livre expressão do pensamento, opiniões, ideias, informações, sem qualquer restrição conforme disposto na Constituição Federal. As restrições à liberdade de expressão devem ser analisadas caso a caso, não podendo configurar em abuso de poder.

No Brasil, na época da ditadura do Estado Novo o direito à liberdade de expressão foi temporariamente desamparado, com a adoção de censura a informações e publicações, principalmente aquelas contrárias ao governo. Com a Constituição de 1988, o Estado Brasileiro ampliou o rol de direitos e garantias individuais, trazendo inovações aos principais princípios de uma sociedade democrática.

A liberdade de expressão e comunicação é contemplada em diversos artigos da atual Constituição Brasileira, como, por exemplo, no Título II – Dos Direitos e Garantias Fundamentais – da Constituição Federal, no capítulo referente aos direitos e deveres individuais e coletivos e artigo 5°, inciso IV que dispõe ser livre a manifestação de pensamento e vedado o anonimato. Dispõem também os incisos IX e XIV do referido artigo que “é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença” e “é assegurado a todos o direito à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional”.

São, ainda, assegurados no Capítulo V – Da Comunicação Social, do Título VIII – Da Ordem Social da Constituição Federal, os direitos à manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo, não sofrendo restrições; e à publicação de veículo impresso de comunicação independentemente de licença de autoridade.[1]

Podemos encontrar, também, na Declaração Universal dos Direitos Humanos, o artigo XIX, que dispõe que “todo ser humano tem direito à liberdade de opinião e expressão; este direito inclui a liberdade de, sem interferência, ter opiniões e de procurar, receber e transmitir informações e ideias por quaisquer meios e independentemente de fronteiras”.[2]

Como se pode inferir das normas apresentadas nesse capítulo, a liberdade de expressão se encontra amplamente garantida no ordenamento jurídico brasileiro. Podemos concluir que as biografias não autorizadas como forma de manifestação se encontram inseridas e protegidas dentro de todo o rol de direitos referentes à liberdade de expressão. Portanto, em princípio, qualquer ato legislativo que impeça a publicação de biografias não autorizadas seria contrário aos direitos fundamentais da Constituição Federal Brasileira, devendo ser julgado inconstitucional.

  1. Dos Direitos da Personalidade – Direito à Imagem, Honra e Intimidade

Podemos considerar que o princípio da dignidade humana no ordenamento jurídico brasileiro, hoje, configura o princípio fundamental mais importante a ser protegido, estando resguardado no artigo 1° da nossa Constituição Federal.[3]

Segundo o autor Rizzatto Nunes, em seu artigo “A biografia como produto de consumo – parte 2” [4], a dignidade é o primeiro fundamento de todo o sistema constitucional posto e o último arcabouço da guarida dos direitos individuais, dando a direção e o comando a ser considerado primeiramente pelo intérprete. Ainda sobre o tema, o autor expõe que o conceito de dignidade foi sendo elaborado no decorrer da história e chegou ao início o século XXI repleto de si mesmo como um valor supremo, construído pela razão jurídica.

A dignidade da pessoa humana é fruto de conquistas e revoluções sociais, visando a combater as crueldades cometidas por determinados grupos. Hoje, o conceito de dignidade humana é tão amplamente defendido, e cada vez mais intrínseco ao indivíduo, que atos contrários aos direitos e garantias individuais são não somente divulgados em escala global, mas também condenados por diversos órgãos internacionais e locais.

Os direitos da personalidade possuem exatamente como valor a tutela da dignidade humana, sendo intransmissíveis e irrenunciáveis em nosso ordenamento. Os direitos à proteção da imagem, honra e privacidade são alguns desses direitos, estando assegurados no artigo 5º da Constituição Federal, que dispõem serem invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.[5]

Ainda, os direitos da personalidade encontram capítulo próprio para sua proteção nas normas infraconstitucionais do Código Civil Brasileiro, sendo de suma importância destacar os seguintes artigos:

Art. 12. Pode-se exigir que cesse a ameaça, ou a lesão, a direito da personalidade, e reclamar perdas e danos, sem prejuízo de outras sanções previstas em lei.

Parágrafo único. Em se tratando de morto, terá legitimação para requerer a medida prevista neste artigo o cônjuge sobrevivente, ou qualquer parente em linha reta, ou colateral até o quarto grau.

(grifo meu)

Art. 20. Salvo se autorizadas, ou se necessárias à administração da justiça ou à manutenção da ordem pública, a divulgação de escritos, a transmissão da palavra, ou a publicação, a exposição ou a utilização da imagem de uma pessoa poderão ser proibidas, a seu requerimento e sem prejuízo da indenização que couber, se lhe atingirem a honra, a boa fama ou a respeitabilidade, ou se destinarem a fins comerciais. (Vide ADIN 4815)

Parágrafo único. Em se tratando de morto ou de ausente, são partes legítimas para requerer essa proteção o cônjuge, os ascendentes ou os descendentes.

Art. 21. A vida privada da pessoa natural é inviolável, e o juiz, a requerimento do interessado, adotará as providências necessárias para impedir ou fazer cessar ato contrário a esta norma. (Vide ADIN 4815)

Podemos concluir que a tutela jurídica da dignidade da pessoa é objeto de amplo estudo, devendo receber toda a devida atenção do ordenamento jurídico brasileiro e internacional. Qualquer ato contrário a esse princípio deve ser combatido veementemente, principalmente por organizações internacionais quanto às normas de Estado que desrespeitem a dignidade de seus cidadãos. Entretanto, como será exposto, pela declaração da inconstitucionalidade dos artigos 20 e 21 do Código Civil, os direitos da personalidade, guardiões da dignidade humana, devem estar em harmonia com o direito de liberdade de expressão, não podendo se sobrepor a esse, principalmente por serem hierarquicamente inferiores em nossa legislação.

  1. ADI 4815

No dia 10 de junho de 2015, o Plenário do Supremo Tribunal Federal, por unanimidade dos votos, julgou procedente a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4815 e declarou inexigível a autorização prévia para a publicação de biografias:

Decisão: O Tribunal, por unanimidade e nos termos do voto da Relatora, julgou procedente o pedido formulado na ação direta para dar interpretação conforme à Constituição aos artigos 20 e 21 do Código Civil, sem redução de texto, para, em consonância com os direitos fundamentais à liberdade de pensamento e de sua expressão, de criação artística, produção científica, declarar inexigível o consentimento de pessoa biografada relativamente a obras biográficas literárias ou audiovisuais, sendo por igual desnecessária autorização de pessoas retratadas como coadjuvantes (ou de seus familiares, em caso de pessoas falecidas). Falaram, pela requerente Associação Nacional dos Editores de Livros – ANEL, o Dr. Gustavo Binenbojm, OAB/RJ 83.152; pelo amicus curiae Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro – IHGB, o Dr. Thiago Bottino do Amaral, OAB/RJ 102.312; pelo amicus curiae Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil – CFOAB, o Dr. Marcus Vinicius Furtado Coelho, OAB/PI 2525; pelo amicus curiae Instituto dos Advogados de São Paulo – IASP, a Dra. Ivana Co Galdino Crivelli, OAB/SP 123.205-B, e, pelo amicus curiae INSTITUTO AMIGO, o Dr. Antônio Carlos de Almeida Castro, OAB/DF 4107. Ausente o Ministro Teori Zavascki, representando o Tribunal no simpósio em comemoração aos 70 anos do Tribunal de Disputas Jurisdicionais da República da Turquia, em Ancara. Presidiu o julgamento o Ministro Ricardo Lewandowski. Plenário, 10.06.2015.[6]

Na ADI 4815, a então Requerente Associação Nacional dos Editores de Livros (ANEL), sustenta que os artigos 20 e 21 do Código Civil conteriam regras incompatíveis com a liberdade de expressão e de informação.

Segundo o voto da relatora, ministra Cármen Lúcia, a decisão dá interpretação conforme a Constituição da República aos artigos 20 e 21 do Código Civil, em consonância com os direitos fundamentais à liberdade de expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença de pessoa biografada, relativamente a obras biográficas literárias ou audiovisuais (ou de seus familiares, em caso de pessoas falecidas). [7]

O tema foi objeto de audiência pública convocada pela relatora em novembro de 2013, com a participação de 17 expositores. Ainda em seu voto, a ministra relatora destaca que a Constituição prevê, nos casos de violação da privacidade, da intimidade, da honra e da imagem, a reparação indenizatória, e proíbe “toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística”. Portanto, uma norma infraconstitucional, como exposto nos capítulos anteriores da presente obra, não pode abolir o direito de expressão e criação de obras literárias. Segundo a ministra, “não é proibindo, recolhendo obras ou impedindo sua circulação, calando-se a palavra e amordaçando a história que se consegue cumprir a Constituição”.[8] Por fim, a ministra encerra seu voto julgando procedente o pedido da ação, prevendo:

  1. a) em consonância com os direitos fundamentais à liberdade de pensamento e de sua expressão, de criação artística, produção científica, declarar inexigível o consentimento de pessoa biografada relativamente a obras biográficas literárias ou audiovisuais, sendo por igual desnecessária autorização de pessoas retratadas como coadjuvantes (ou de seus familiares, em caso de pessoas falecidas);
  2. b) reafirmar o direito à inviolabilidade da intimidade, da privacidade, da honra e da imagem da pessoa, nos termos do inc. X do 5º da Constituição da República, cuja transgressão haverá de se reparar mediante indenização.[9]

 Para o ministro Luís Roberto Barroso, no caso em questão a liberdade de expressão e o direito de informação entram em conflito com os direitos da personalidade, privacidade, imagem e honra. Segundo Barroso, quando há colisão entre direitos fundamentais, a solução mais utilizada é a ponderação. Considerou que os artigos 20 e 21 do Código Civil, ao protegerem o direito da personalidade, preterem o direito à liberdade de expressão, tendo, como consequências, a subordinação da liberdade de expressão aos direitos da personalidade e, a produção de uma hierarquização entre direitos constitucionais. Portanto, o Código Civil viola o princípio da unidade e produz um resultado inconstitucional, que é o de um direito invariavelmente prevalecer sobre o outro. Além disso,  esses artigos inferiorizam a liberdade de expressão que, nas democracias, deve ser tratada como uma liberdade preferencial.[10]

A ministra Rosa Weber afirmou que controlar as biografias implica tentar controlar ou apagar a história, constituindo a autorização prévia em uma forma de censura. Segundo a ministra, “a biografia é sempre uma versão, e sobre uma vida pode haver várias versões”.[11]

Para o ministro Luiz Fux, à  medida que cresce a notoriedade de uma pessoa, reduz-se sua esfera de privacidade. Ainda, no caso das biografias, é necessária uma proteção intensa à liberdade de informação, como direito fundamental. O ministro Dias Toffoli afirmou, em seu voto, que “a Corte está afastando a ideia de censura, que, no Estado Democrático de Direito, é inaceitável”, podendo haver, no entanto, a possibilidade de intervenção judicial no que diz respeito aos abusos, às inverdades manifestas e aos prejuízos que ocorram a uma dada pessoa.[12]

O ministro Gilmar Mendes julga que a prévia autorização de biografias traz sérios danos à liberdade de comunicação. Ainda, destacou que, caso o biografado entenda que teve seus direitos violados, há outras formas de reparação, tais como a publicação de ressalva ou nova edição com correção.[13]

Em seu voto, o ministro Marco Aurélio afirma que “biografia, independentemente de autorização, é memória do país. É algo que direciona a busca de dias melhores nessa sofrida República”. No entendimento do ministro, havendo conflito entre o interesse individual e coletivo, deve-se dar prioridade ao segundo.[14]

O ministro Celso de Mello expõe, em seu voto, que a Constituição Federal veda qualquer censura de natureza política, ideológica ou artística. Afirmou também que “não devemos retroceder nesse processo de conquista das liberdades democráticas. O peso da censura, ninguém o suporta”.[15]

O ministro Ricardo Lewandowski observou que, segundo o estabelecido pelo presente julgamento, a censura prévia está afastada, com plena liberdade de expressão artística, científica, histórica e literária, desde que não se ofendam os direitos constitucionais dos biografados.[16]

  1. A Harmonização dos princípios constitucionais

Levando-se em consideração todo o exposto, avaliando o caráter protecionista dos direitos da personalidade e, em contrapartida, o caráter expositivo do direito à liberdade de expressão, dentro das biografias não autorizadas de pessoas públicas, conforme Barroso bem observa em seu voto, há a necessidade de se fazer uma ponderação no caso concreto, levando-se em consideração os limites dos direitos em confronto.

Com relação às biografias não autorizadas de pessoas públicas, estas devem se ater à pertinência da obra, ou seja, verificar se há interesse da coletividade nos acontecimentos retratados acerca do biografado, se estes acontecimentos são de dimensão pública ou se pertencem exclusivamente à intimidade da pessoa pública.

As biografias não autorizadas devem expor fatos determinados, de notável conhecimento público, que, diante de sua incontestável divulgação e notoriedade, transgrediram do âmbito íntimo da pessoa, tornando-se interesse coletivo.

Como bem expôs o autor Marcelo Mazzola em seu artigo “Um Retrato das Biografias Não Autorizadas no Brasil: Construção Jurisprudencial E Perspectivas Para O Futuro”, há alguns parâmetros que devem ser seguidos nessa ponderação e avaliação:

Notoriedade: é um importante critério no juízo de ponderação dos interesses de conflito. Isso porque a dimensão pública alcançada pela trajetória artística, pessoal, profissional, esportiva ou política de determinada pessoa faz com que a sua esfera de intimidade e privacidade seja mais estreita. Assim, quanto maior a notoriedade do biografado, maior peso deverá ser conferido, em tese, à liberdade de expressão e ao amplo acesso à informação, prestigiando-se, nesses casos, o interesse público.

A licitude das fontes: afigura-se importante apurar a forma como as informações e os dados veiculados na biografia são obtidos pelo escritor. A integridade de uma informação, a profundidade de uma pesquisa, a credibilidade de um depoimento e a legalidade no acesso a determinado fato ou dado são elementos que imprimem uma maior seriedade e idoneidade à obra, valorizando a importância da biografia para o interesse da coletividade.

Expectativa de privacidade: deve ser averiguado se, à luz do comportamento do biografado no meio social, seria razoável um questionamento de sua parte quanto à publicação de determinado fato ou informação.

Forma de apresentação da informação ou do fato: quanto mais sensacionalista for a divulgação, maior a probabilidade de ser considerada ofensiva e invasiva. Expressões do tipo “tudo aquilo que você não sabe sobre a vida de…”, “segredos íntimos da história de…”, “detalhes sobre a vida…” podem revelar o caráter midiático, da obra e gerar um desconforto desnecessário para o biografado e seus herdeiros.”[17]

 A humanidade possui como necessidade intrínseca o relato de acontecimentos sociais, assim como a transmissão deste relato ao longo das gerações, tanto no âmbito internacional quanto no nacional, para que se mantenha viva a lembrança do passado. As biografias não autorizadas, neste contexto, exercem importante função, mostrando o desenvolvimento da sociedade ao longo dos séculos; trazendo à luz fatos históricos, da vida das pessoas públicas, que foram vitais para a humanidade; narrando, a partir dessas pessoas e dos seus atos influenciadores para a coletividade, desde acontecimentos esporádicos em determinado território a acontecimentos fatídicos e revoluções de caráter mundial que jamais devem ser esquecidos, sendo esses de caráter positivo ou tendo por fim o alerta de acontecimentos abomináveis que devem ser evitados e combatidos no futuro.

Portanto, a liberdade de expressão, no âmbito das biografias não autorizadas, deve se ater ao interesse público ou outros fins semelhantes, como culturais, devendo ser proibidas e, consequentemente, retiradas de circulação as obras ou trechos que tenham somente como finalidade a exposição da vida íntima de pessoa pública, denegrindo, por vezes, sua imagem, conforme os ministros Dias Toffoli e Ricardo Lewandowski bem defenderam em seus votos. Nestes casos, devem prevalecer os direitos da personalidade, à imagem, honra e intimidade, devendo ser tutelado o direito a indenização por danos morais e materiais.

  1. Conclusão

Diante do exposto e do material trazido no presente artigo, o debate acerca das biografias não autorizadas e a recente decisão do Supremo Tribunal Federal visam proteger a liberdade de expressão não abusiva, prevista em nossa Constituição Federal.

Assim, diante dos votos exercidos pelos ministros do STF e dos estudos doutrinários, a legislação brasileira caminha na direção certa na permissão das biografias não autorizadas previamente, seguindo o sistema de ponderação dos limites constitucionais, objetivando, assim, alcançar plenamente o direito à liberdade de expressão sem ferir os direitos da personalidade, imagem, honra e intimidade, tendo por fim a harmonia da dignidade humana e do interesse da coletividade.

  1. Referências

– D’Elboux, Sonia Maria. Biografias Não Autorizadas. Congresso Internacional da Propriedade Intelectual da ABPI.

– Mazzola, Marcelo. Um Retrato Das Biografias Não Autorizadas no Brasil: Construção Jurisprudencial e Perspectivas Para O Futuro.

 Nunes, Rizzatto. A biografia como produto de consumo – parte 2. Portal Jurídico Migalhas, 2013.  

 – Rocha, Anna Emanuella N. dos S. Cavalcanti da. Biografias Não Autorizadas: Uma Discussão Inócua no Brasil? 2. no. Natal: FIDES, 2014.

 – Schreiber, Anderson. Direitos da Personalidade. São Paulo: Atlas, 2011.

– Website do Supremo Tribunal Federal:

http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?incidente=4271057

http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=293336

http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/ADI4815LRB.pdf

http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/ADI4815relatora.pdf

[1] CF Art. 220 – A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição.

  • 1º Nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social, observado o disposto no art. 5º, IV, V, X, XIII e XIV.
  • 2º É vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística. […]
  • A publicação de veículo impresso de comunicação independe de licença de autoridade.

(grifo meu).

[2] Declaração Universal dos Direitos Humanos, art. 19. http://www.dudh.org.br/wp-content/uploads/2014/12/dudh.pdf

[3] CF Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

I – […]

II – […]

III – a dignidade da pessoa humana.

(grifo meu)

[4] Nunes, Rizzatto. A biografia como produto de consumo – parte 2. Portal Jurídico Migalhas, 2013.  

[5] CF Art. 5 º –

V – é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem;

[…]

X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.

[6] ADI 4815 – Decisão do Supremo Tribunal Federal, 10/06/2015.

[7] Lúcia, Cármen. Voto da ministra relatora – ADI 4815: http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/ADI4815relatora.pdf

[8] http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=293336

[9] Conforme item 7.

[10] http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/ADI4815LRB.pdf

[11] http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=293336

[12] Conforme item 11.

[13] Conforme item 11.

[14] Conforme item 11.

[15] Conforme item 11.

[16] Conforme item 11.

[17] Mazzola, Marcelo. Um Retrato Das Biografias Não Autorizadas no Brasil: Construção Jurisprudencial e Perspectivas Para O Futuro.